quinta-feira, 3 de outubro de 2013

“O PASSADO SE FAZ PRESENTE” (Schuma Schumaher)

Um casal de adolescentes levanta-se da areia. Menino e menina erguem cada um na sua prancha de surfe e entram no mar. Nas ruas de qualquer grande metrópole ocidental, executivas impecáveis em seus terninhos acenam apressadas, para um táxi. O automóvel que pode estar sendo dirigido por uma mulher, avança em direção ao restaurante para um almoço de negócios. Da garçonete à chefe de cozinha, as mulheres podem estar em qualquer lugar. No mundo do trabalho, nos bares, nas calçadas, nas escolas, nas ruas, elas hoje exercem plenamente seus direitos, resultado de lutas históricas. Do sufragismo a transformação das relações entre homens e mulheres, do direito ao estudo ao ingresso no mercado de trabalho, da maternidade como única possibilidade de realização as séries de TV sobre o universo das lésbicas, da retirada do útero das histéricas à liberdade sexual, a irreversível insurreição feminina começou tímida, no século 19, para mudar o curso da história ao longo do século 20.
 
(Imagem: Acervo Iconographia)
 
“Musa do Modernismo, a escritora e ativista política Patrícia Galvão, a Pagu, era uma figura emblemática dessa “mulher liberada”. E escandalizou a sociedade tradicional com suas roupas extravagantes, seus cabelos curtos e chapéus, com o cigarro entre os dedos num tempo em que fumar em público era imperdoável para uma moça de família. Numa época em que as mulheres em geral viviam e se vestiam de forma recatada e discreta. Pagu foi símbolo de atrevimento – feminista assumida, escreveu romances, crônicas, poesias e dirigiu peças teatrais. Na sua mistura de militância comunista com defesa dos direitos das mulheres, Pagu, à frente de seu tempo, é ainda hoje ícone das lutas pela emancipação feminina. Seu nome batiza diversas iniciativas feministas contemporâneas.” (Schuma Schumaher)
 
“Comemorar as conquistas e os avanços de hoje é reconhecer que a trajetória das mulheres confunde-se com as das lutas feministas. Seja de forma organizada e coletiva, seja individualmente, inúmeras foram as mulheres que contribuíram para a construção da condição feminina atual. As índias, ao enfrentar a violência dos colonizadores; as negras, rebeladas contra a escravidão; as brancas, na ruptura com as limitações do mundo privado para conquistar direitos de cidadania e voz no mundo político.” (Schuma Schumaher)
 
(Imagem: Flavio Fargas)
 
AS AMAZONAS (História inspirada em uma lenda indígena)
 
Os índios contam que uma tribo de mulheres guerreiras, conhecidas como Icamiabas, ou seja, mulheres sem marido, surgiu assim:
Cansadas e zangadas com os maus-tratos recebidos de seus maridos, as índias cuidadosamente preparam comidas e bebidas muito saborosas. Quando os índios voltaram da caça famintos e com seda, comeram e beberam até se fartarem.
É claro que os homens caíram num sono pesado. As mulheres aproveitaram, juntaram as armas e partiram para o Reino das Pedras Verdes. Nesse lugar, decidiram que iriam viver. Construíram suas moradas, caçaram, pescaram, fizeram cerâmica, redes, trabalharam na roça, e tudo era dividido em harmonia.
Inconformados, os índios foram atrás das mulheres. Elas, porém, armadas com flechas envenenadas e com cara de onça brava, os fizeram voltar sozinhos para a aldeia.
Mas, nem tudo estava perdido... uma vez por ano, as Icamiabas elegiam os melhores guerreiros para uma noite de amor. E no mês de abril, na época de lua cheia, mergulhavam num lago enorme, o Jaci-Uaruá. Do fundo dele traziam uma pedra verde que quase sempre era esculpida na forma de uma rã, símbolo da fertilidade. Esse valioso amuleto chamava-se Muiraquitã, e era dado de presente aos guerreiros que as engravidassem de meninas. Se, porém, o bebê fosse menino, nada de amuleto! O pai levava o filho para cuidar porque, na aldeia das mulheres guerreiras, homem era só uma vez por ano!
Conta-se também que, em 1542, as Icamiabas foram confundidas pelo Frei Gaspar de Carvajal com o mito grego das Amazonas. E assim, passaram a ser chamadas. Desde então, um majestoso rio, próximo à morada das índias guerreiras, ficou conhecido como Rio das Amazonas. (Histórias da Nossa Gente – Sandra Lane)
“Um olhar sobre o passado revela que há muito a desvendar, especialmente sobre índias e negras. A história oficial ignorou suas culturas, forma de mistificá-las como amantes ou amas-de-leite, o que ofuscou suas reações aos conquistadores e aos açoites. Bravas índias e negras tiveram papel fundamental contra a dizimação de seus povos e na organização da resistência contra a escravidão.”

 
(Imagem: Adenor Gondin)
 
Nas fotos do baiano Adenor Gondin, revela-se o legado transmitido de geração a geração, valores e costumes herdados dos portugueses e africanos que colonizaram o Brasil. As senhoras da Irmandade da Boa Morte nasceram quase juntamente com século 20. Descendentes de escravos, viram a mulher brasileira aos poucos sair da sombra para se tornar protagonista da história, abraçada a novos comportamentos e valores. Devotas de Nossa Senhora da Boa Morte e dos orixás, viveram as mudanças preservando a força de tradições imemoriais, refletindo em seus ritos a resistência cultural e a percepção de que o futuro não pode prescindir do passado.
 
(Imagens: Adenor Gondin)
 
“Sou orgulhosa de ser negra e honrar o meu povo antigo que teve os pés e as mãos acorrentados contra a vontade. Sou livre. Sou Mãe de Santo. Sou filha de Iemanjá e Nossa Senhora. Sou Narcisa. Sou Cândida. Sou Filhinha”. Narcisa Cândida da Conceição, a Mãe Filhinha, mãe-de-santo do terreiro Ilê Axé Itayle, e irmã da Boa Morte, devota de Iemanjá, Ogum, Nossa Senhora das Graças, aos 102 anos, em 2004.
 
REFERÊNCIA
  • Século XX – A mulher conquista o Brasil (Aprazível Edições e Arte)
  • Histórias da nossa gente – (Texto de Sandra Lane e ilustrações de Flavio Fargas – Maza Edições)